
O filho entra correndo na sala de estar, carregando entre os dedos uma barata que mexe suas seis patas desesperadamente. A mãe, deitada no sofá, passando o dedo sobre uma tela de Iphone, olha atônita para a situação.
– Você pode me emprestar o celular, mãe? Quero pesquisar sobre a barata, já contei suas patas: são seis, olha só. – o filho, com os pés sujos, caminha a passos largos marcando suas pegadas no limpo chão para chegar até a mãe. A mãe, acordando da pasmasse, se recolhe no canto do estofado e grita com a criança.
– Joga lá fora isso! E o chão, o chão, João Augusto! Se livra disso e se manda para o banho!
A criança para no meio da sala e, em uma última tentativa, suplica:
– O celular?
– Anda! Faz o que eu mandei fazer.
O filho, cabisbaixo, vai até o quintal e solta a barata em cima de uma folha seca. Por primeiro, coloca ela de cabeça para baixo e a vê se debater tentando voltar ao estado normal; ciente, depois de algum tempo, de que ela não conseguiria sozinha, virou-a e a olhou indo embora. Ele escutará um dia que baratas voavam, mas aquela não quis erguer as asas. Sequer tinha asas, notou. Deu meia volta e retornou para casa indo até a ducha.
Enquanto via maravilhado o barro e a lama de suas pernas e pés se dissolverem na água, a mãe abriu a porta e o informou que estava indo à casa de uma amiga.
Chegando na vizinha, a mãe contou toda a situação que se passou, sem falar, das coisas dos últimos dias, quando o filho comeu comida do cachorro, pois queria saber o gosto ou quando ficou juntando sementes dos frutos que comiam para plantar e ver se cresciam, fazendo um fuzuê na horta que, bom, ela nem utilizava. A sua amiga, também mãe, disse a ela: espere um instante, sente-se aí, já volto com a solução. Momentos depois ela retornou com uma caixinha de comprimidos escrito Ritalina metilfenidato. Deu-lhe, também, as seguintes recomendações: uma pílula por dia, logo após o almoço ou quando ele for começar a gastar sua energia, então, deixe ele no quarto com o livro de deveres, ou algo da escola, uma apostila, um caderno. A mágica acontece por si só.
No dia seguinte, a mãe informou ao filho que a partir dali ele iria tomar um remedinho, era para crescer melhor e mais saudável. Ele primeiro perguntou o que era, para que servia, qual era o gosto. A mãe, sabendo como lidar, disse que ele teria de experimentar.
– E ele tem nome, o comprimidinho? Perguntou o filho. Pílula da matemática, respondeu a mãe.
Assim que ele tomou, a mãe se dirigiu à sala e ficou lá, com o Iphone em mãos, o Netflix ligado, e atenta a qualquer ruído que poderia vir do andar de cima. As horas passaram e passaram, e o silêncio permaneceu. No fim do dia a mãe subiu para ver como o filho estava, se queria algo para comer. Ele estava debruçado sobre dois livros e um caderno, escrevendo compulsivamente, e disse que não sentia fome, esperaria pelo jantar. Maravilha! As pílulas funcionavam mesmo. Nunca vira o filho com tamanha sede pelo conhecimento.
No dia seguinte, a mesma coisa se procedeu, e depois e depois e depois…
Até que, um dia, quando a mãe estava vendo o último episódio de sua série, servida de uma pipoca e chocolate quente, o filho desceu correndo as escadas com duas folhas de papel cheias de palavras nas mãos. A mãe perguntou o que era aquilo, e o filho começou a falar:
– Isso é droga de kamikaze! Pílula da matemática, Ritalina, METILFENIDATO. Chame como quiser! São da família das anfetaminas, eu sei, sei de tudo. Andei lendo aqueles livros velhos do armário do vovô, Barsa o nome, se não me engano. Isso que você está me dando, é para reduzir minha impulsividade? É uma droga, mãe, uma droga! Igual as que passam na televisão, essas, porém, eram usadas na guerra, estamos em guerra, mãe? Olha aqui, tá tudo anotado. Charles Bradley foi o primeiro a descobrir, em 1937, quando fez um teste com um grupo de crianças receitando anfetaminas a elas, anos depois, quando começou a guerra fria, e os países precisavam de suas criancinhas quietas e obedientes, como eu estava, começaram a receitar esse tal de metilfenidato, que também é uma anfetamina. Se você não está entendendo direito, vou te situar, sabe aquela série Breaking Bad? Lá tem a metanfetamina, que também é uma parente da inocente pílula da matemática e da anfetamina, e você estava dando isso para mim? E se eu me viciar mãe? Tenho doze anos. Como será meu futuro? Me recuso a tomar isso, a não ser que você me envie para a guerra. E agora – disse tirando a camisa branca que usava – vou lá fora.
A mãe, pasma com a situação, desligou a televisão e ficou em silêncio olhando a parede. Um vento entrou na casa pela porta que ele saiu, e balançou as duas folhas que ele havia preenchido de palavras: seu pequeno relatório. Ela se recostou no sofá e permaneceu quieta. Tinha um filho cientista, e não sabia como lidar.
